quarta-feira, 10 de outubro de 2012

NÔNO ÍTALO


A Ponte.
O nôno Italo fazia uma ponte no bairro da Barra, sobre o Ribeirão dos Limas, nosso simpático riozinho. Era uma ponte pro rio passar debaixo com seus peixes molhados. Eis que uma pesada linha (tronco de eucalipto de cerca de 15 metros), rolou e esmagou a perna do nôno. No hospital “Ana Cintra“ em Amparo, sua perna foi amputada.
Fiquei deveras confuso. Era muito criança ainda, não frequentava a escola. Não entendia nada de putas. Muito menos ainda entendia o fato de o nôno ter uma perna puta, agora amputada. Poderia ser uma puta perna, não sei. Não me lembro quando o nôno saiu do hospital sem a puta da perna ou a perna puta. Sei que usava perna mecânica. Convalescido, andava a cavalo, lambicava pinga e esperimentava o produto ávidamente .
Me indagava como o nôno convivia com a nona Luiza tendo também uma puta. Aos poucos fui me tranquilizando ao constatar que meus tios e tias, uma dúzia ao todo, eram todos nascidos da nona Luiza. Nenhum deles era filho da puta, a perna. Ainda bem. Se assim não fosse, temia e muito, que nas desavenças com outros moleques, além do tradicional filho da puta, pudessem eles nos xingar de netos da puta. Eu, meus irmãos e primos, agora continuaremos ser chamados vez em quando apenas de filhos da puta, o que é menos mal. Me tranquilizei devezmente.



O Nôno.
Era Italiano, veio ainda de colo, foi batizado como Antonio. Aqui mudaram seu nome para Italo. Suponho que fosse para reforçar as raizes de sua origem. Orgulhava-se do Brasil e lutava em prol das nossas coisas como poucos. Sempre nos ensinou a amar o local onde nascemos. Era solidário. Quando perdeu a perna trabalhava como voluntário. Ele e os demais supriam a falta, suprimiam a ausência do poder público. Liderava grupos para reparar as estradas, pontes, etc. Gostava de cantar canções em italiano, fazendo dupla com seu amigo descendente de africanos. “Bel Canarin“ era a canção predileta da dupla. Nós achávamos tanta graça ao vê-los, que até apelidamos o parceiro do nôno de “Bel Canarin”. Motivo pelo qual não me lembro qual era seu nome.
Nôno criou dois pretinhos desvalidos como seus próprios filhos. Um dia Antonio Barba pediu ao nôno cuidasse de seus dois filhos, o Dito e o Pedro. E o nôno cuidou deles como se seus fossem, e eram, foram. O Dito após casado visitáva-os quase todos os domingos pela manhã. Tomava benção e chamava nona Luiza de nona, assim como todos nós seus netos.
Nona Luiza teve entre filhos e filhas nada menos que treze. Com o Dito, e o Pedro Barba, eram quinze. Quando o irmão do nôno, Orozimbo, ficou viuvo, a nona ajudou a cuidar dos seis sobrinhos orfãos. Que nona era essa? Fumava uns cigarrinhos escondida. Morreu precocemente aos cento e cinco anos. Aos cem anos foi escolhida a mãe Amparense. Nas comemorações só deixava a festa após o último convidado. Dizia ela: “a festa é minha, não posso ausentar-me enquanto tiver alguém que aqui veio para me festejar, não posso”. Um dia vou escrever sobre as filhas dela, entre elas minha mãe Mercedes. Fico assoberbado só em imaginar a estória dessa mãe máquina que foi minha mãe.
Mas esta é outra estória, como ainda não foi escrita é recente, embora muito tempo tenha passado.
O Tio Orozimbo – O Irmão do Nono Ítalo.
Não o conheci. Minha mãe sempre me falou dele com extremo carinho. Como visto acima, ficou viúvo com seis filhos pequenos. Era proprietário do sitio e da pequena venda local. Morou na mesma casa onde um dia morou meu tio Justo irmão de minha mãe. E nesta casa, sucedendo tio Justo, moramos eu, meus irmãos e meus pais João e mãe Mercedes. Era um rodízio familiar. Tio Adérico nos sucedeu. Hoje um filho dele, meu primo genial reside lá. O Edu nasceu nessa casa num domingo de páscoa às dez horas da manhã. Nona Luiza estava acompanhando o parto. Sorrindo, ela nos disse: “nasceu o Pascoalin”.
Tio Orozimbo, embora fosse calmo e paciente, às vezes destrambelhava. Quando o velho surdinho Urbano Camargo difilcutava o assunto, tio Orozimbo dizia até com certo humor: “Dio que ti mande un Fulmi”; respondia seu Urbano: “em dobro pro sinhô, seu Orozimbo”. Seu Urbano não sabia que Fulmi significa raio.
Esse surdo, acompanhado de seu filho Amadeu, matou o próprio cunhado Benjamim, conhecido como Benzinho. Mataram-no como a um porco, a facadas. Ficaram presos por seis anos na penitenciaria estadual. A família do falecido colocou no local do assassinato uma cruz e pequena imagem de N. S. Aparecida. Quando Urbano saiu do presidio, caminhando pela estradinha de terra, parou frente à cruz e disse: - “Bem que ele cramô pro cê pretinha, mais não adiantô nada".

FIM.

3 comentários:

  1. Sensacional : Lembrar de pessoas que foram importantes em nossas vidas.pena que tudo se acabou, os peixes que se molhavam no Ribeirão dos Limas, hoje não existem mais, a casa onde nasci, virou supermercado.

    Edu

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  2. O importante é que vc está aqui, e sempre perto.O supermercado continua nas mãos de um dos nossos.Do nosso primo Carlinhos, um sugeito genial e digno filho do tio Adérico, um "Da Vinci" da Moenda e dos Limas.
    E eu sendo o mais velho conto estórias pra vcs.E assim perpetuamos um pouco da nossa História.Acho que a estória é bonita. Vou escrever aquela de que quando vc foi colocar o lambari no embornal. Lembra?

    Obrigado pela manifestação.

    Do seu idoso irmão.....................jc

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  3. Pio

    Emocionante e a história faz parte do cotidiano de nossa poesia:a vida.

    JC Guireli

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