segunda-feira, 2 de setembro de 2019


Uma noite apenas.

Noite de 27/06/2014. Durante o sono tornei-me um menino Árabe; algo parecido ao um sonho,talvez um pesadelo. Morava com meus pais e irmãos num vilarejo, cercanias de Damasco, na Síria.
Além dos meus três irmãos e uma irmã, tinha duas irmãzinhas gêmeas, adotadas por meus pais;Macaila e Raquel eram órfãs, perderam seus pais num bombardeio cerca de quatro anos passados.
Todas as tardes, meu pai Árabe, Abdullah João, costumava sentar-se na calçada frente a nossa morada. Reunia a criançada para contar estórias, tocar Alaúde e ensiná-las a cantar suas dolentes Cantigas Árabes. Elas e eles, chegavam, curvavam-se, beijavam a face de meu pai Árabe, Abdullah João. O último número musical era sempre um hino, que ele meu Árabe pai compusera e que denominava-se: Hino à Paz. Emocionante era ouvi-los em coro clamar pela Paz. Macaila e Raquel grudavam-se à túnica bege do nosso Árabe pai, cantavam, riam e, com as mãozinhas ajudavam ritmar as canções. Vez ou outra nossa mãe, Mercedes Sara Al Sader comparecia tendo ao colo meu irmãozinho Árabe, Isar Edu Abdullah. Isar, alegre, batia palminhas e cantava usando sua linguagem universal, gu...gu..gu.. em Árabe. A garotada toda ria; Isar franzia a testa e fazia biquinho; Macaila e Raquel levantavam-se e cobriam-no de beijos e afagos, davam vivas ao irmãozinho; Isar sorria e batia palminhas.
Após cantar o Hino à Paz, um a um, despediam-se, curvando-se e beijando a face do meu Árabe Pai.
Abdullah João beijava-lhes as mãozinhas dizendo-lhes: Vão em Paz.
Eu e meus irmãos nos recolhíamos acompanhados de nossa mãe. Lá nos fundos da nossa morada,fazíamos nossos deveres escolares, enquanto aguardávamos o jantar.
Macaila e Raquel tomavam o pai Abdullah João pelas mãos, e coladas à sua túnica bege iam à saleta que dá para a rua. Mal Abdullah sentava-se, elas engarupavam em seus joelhos e pediam pro cavalinho trotar; Riam, seus cabelos negros se agitavam no ar ao galope do fogoso Alazão Árabe e, assim em suas inocentes fantasias cavalgavam pelas planícies e colinas Árabes da Síria. Em Árabe emitiam: pocotó..pocotó..pocotó...(universal). Pai Abdullah João ria alegre e murmurava: é uma bênção...é uma dádiva..é..
Nos fundos onde estávamos ouvimos sirenes seguidas de explosões; eram distantes, não nos alarmamos.
Nossa mãe pedia fizéssemos silêncio e que ficássemos calmos; estávamos habituados aos bombardeios diários nos arredores. Agora notamos que bombas caem nas proximidades, uma, duas, silêncio; mais sirenes.
Intensificam-se os tiroteios, rajadas de metralhadoras; forte explosão na esquina da nossa rua; ouvimos gritos, choros e pedidos de socorro. Abrigamo-nos sob a mesa da cozinha, agarrados à saia de nossa mãe; choramos.
Ela pede calma. Uma bomba atinge a frente da nossa casa, tudo se esboroa à nossa volta. Gritamos por nosso pai e as meninas; em vão, não respondem. Os bombardeios intensificam-se, nada podemos, a morte avizinha-se de nós. Mais bombas caem nas proximidades. Aos poucos diminuem de intensidade. Agora apenas algumas rajadas das nossas forças de resistência. Sirenes e mais sirenes das ambulâncias, gritos, choros, gemidos e lamentos; verdadeiro horror. Nossa mãe nos dá água com açúcar, tudo faz para tranquilizar-nos dizendo que o pior já passou.
Nesse instante meu irmão mais novo Moisés João nos alertou: E o Papai?
Minha irmã Dalila AL Sader gritou: e Macaila, Raquel, vamos procurá-las!
Caminhamos com dificuldade em meios aos escombros. Chegamos até a saleta que dá para a rua, justamente a área mais atingida. Em meio aos escombros semi soterrados estavam os três; mortos.
Meu pai Abdullah, recostado a uma pilastra de concreto, tinha um corte profundo na testa, seu turbante todo ensanguentado; estava com um dos braços erguido e segurando o Alaúde como se quisesse preservá-lo.
Macaila repousava de bruços, agarrada à túnica bege de meu pai. Raquel estava de costas sobre o peito de meu Árabe pai João Abdullah; de seus lábios um filete de sangue escorria.
Meu irmãozinho do meio, Giba Gibran Efraim, perguntou: Elas caíram do cavalinho? Sim, disse nossa mãe. As lágrimas intensificaram-se.
Edu Isar ao colo, com os dedinhos tecia caracóis nos negros cabelos de nossa Árabe mãe Mercedes Al Sader.
Nossa mãe em lágrimas orou perguntando: Que mal fizeram eles? Porque? Até quando?
Tomei o Alaúde em minhas mãos. Retirei a mensagem que meu pai havia colocado em seu bojo, a qual vos descrevo a seguir:
““Abdullah José, sangue do meu sangue Árabe, meu primogênito, cabe a ti continuar a tarefa que iniciei junto aos demais companheiros. Propague a Paz, ensine as crianças lutar pela Paz. Faça despertar nelas o amor à Música, à Natureza, aos Animas e Amar seus Semelhantes. Transmita a elas os ensinamentos que nossos antepassados receberam à milhares de anos, minutos antes de a grande Nave decolar. Ou Seja:
Buda, Crisna, Jesus, Maomé, Ataualpa e demais, são todos filhos do mesmo Deus. ””

NOTA:- Analistas disseram que o ataque à casa de Abdullah João não foi acidental. E sim, foi minuciosamente planejado com a finalidade de eliminá-lo, assim como vários de seus seguidores e companheiros.

Eram quatro horas da madrugada de 28/06/2014, acordei sobressaltado. Meu coração palpitava Ocidental.
Percebi que havia lágrimas em meus olhos; chorei em Árabe. Um choro de dor e impotência. Impotência pela incapacidade de nada poder fazer pelas mulheres e crianças inocentes, Árabes ou não, vítimas das guerras sangrentas. Vítimas do fanatismo que viceja na mente desses monstros psicopatas, cruéis e sanguinários.
Fica decretado, parágrafo único:
1 - Onde houver crianças é proibido fazer guerras.
Revogam-se as disposições em contrário.

Jc.........12/07/2014


Um comentário:

  1. Me fascina este sonho-conto com sua mensagem de paz, sempre atual. Talvez porque o perigo está vigilante e ronda sem dar trégua. Como é difícil aprender! Somos todos crianças e filhos do mesmo Deus...
    Jonas

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